O Luxo de Pensar em Longo Prazo
Num ambiente onde velocidade é confundida com inteligência, o pensamento de longo prazo é luxo
Essa é a newsletter mensal aberta para todos os assinantes da Comunidade Moovers. Escrita pela futurista e Diretora Executiva da Moovers Monica Magalhaes, que compartilha insigths, reflexões e análise de tendências em tecnologias emergentes.
Hello moovers! Monica Magalhaes por aqui 👋🏼
Preciso confessar que minha temporada na China me pegou no fígado.
É difícil andar por lá, ver o que foi construído em tão pouco tempo, e não sentir um desconforto profundo. Não é inveja. É um tipo de tristeza indignada. Uma frustração que vem da certeza de que a gente poderia estar em outro lugar, como país, como sociedade, como empresas. Mas escolhemos, sistematicamente, não estar.
Tive a clareza do quanto nos falta habilidade de pensamento de longo prazo e o quanto isso nos custa caro, em atraso, em desperdício de potencial, em falta de progresso.
Não escrevi esse texto porque tenho soluções. Escrevi porque precisava colocar essa frustração em palavras. Porque talvez, se a gente conseguir nomear o que nos paralisa, já é um começo.
O Luxo de Pensar em Longo Prazo
Num ambiente onde velocidade é confundida com inteligência, o pensamento de longo prazo é luxo. Algo que se admira à distância.
Ele pode até surgir timidamente em um slide com título disfarçado em reuniões estratégicas, palavras como “visão”, “legado” e “sustentabilidade” cuidadosamente posicionadas.
Quando alguém arrisca verbalizar uma ideia que se estende além do próximo trimestre um silêncio se instala. Alguns assentem com leveza, outros evitam o olhar direto.
É o tipo de sugestão que desperta desconforto não pela ideia em si, mas pelo que ela exige: encarar a incerteza, admitir que o controle é ilusório, e aceitar que o retorno talvez nunca venha no seu próprio mandato.
A tensão é grande. Há um medo de parecer ingênuo, de soar pouco pragmático, de sair do script do “rápido e eficiente”.
Na prática, a maioria das decisões é tomada com os olhos grudados no retrovisor do trimestre anterior. Os horizontes são curtos, semanas, às vezes dias, não por falta de ambição, mas por excesso de pressão mesmo.
O tempo virou ativo emocional, pensar além do hoje provoca uma sensação incômoda nas pessoas, como se estivesse desperdiçando energia com hipóteses enquanto há incêndios reais para apagar.
A lógica por trás disso é silenciosa. Poucos a verbalizam, mas na real o que pensam é: se tudo muda tão rápido, planejar o longo prazo é coisa de gente distraída. O foco, então, se estreita. O pensamento comum que domina o grupo é “o que importa é o que pode ser entregue, medido e defendido”
O futuro vira um território abstrato, instável, que não cabe nas planilhas e, portanto, é empurrado para outro momento.
E vamos combinar, no fundo, existe um certo alívio nisso tudo. Pensar no futuro exige muito do líder, precisa ser bom de estratégia, conhecer metodologias, conhecer com profundidade o negócio e ainda ter repertório para poder dialogar sobre pra onde as coisas vão, e é verdade que o presente já pesa demais.
Futuro como política pública (ou não)
Mas é claro que nem tudo depende da vontade da liderança ou da cultura organizacional. Em muitos contextos, principalmente em países subdesenvolvidos como o Brasil, pensar no longo prazo é quase ficção científica. A economia oscila, a política tropeça. A democracia é um orgulho mas ao mesmo tempo atrasa o progresso.
A cada 4 anos mudam-se as prioridades, os projetos, aparecem outras necessidades no ponto de vista dos novos líderes. O plano estratégico de uma empresa acaba sendo impactado por um ambiente que, ele mesmo, não sabe para onde está indo.
Nesse sentido, as ditaduras se beneficiam pela estabilidade política e econômica. A China, por exemplo, saiu de uma sociedade majoritariamente rural para se tornar uma potência tecnológica global em menos de 40 anos. Isso não aconteceu por acaso, foi fruto de planos de longo prazo com visão centralizada, como o “Made in China 2025” plano de 20 anos para transformação industrial e tecnológica. Lá, o futuro deixou de ser uma abstração e virou política pública.
Enquanto isso, por aqui, o futuro segue sendo empurrado de governo em governo, de CEO em CEO. O resultado é um mercado privado que muitas vezes só consegue reagir, em vez de construir.
Quando o governo não oferece uma visão consistente de futuro seja em infraestrutura, educação, inovação ou meio ambiente, as empresas reagem como podem. Se adaptam. Se defendem. E fazem o que dá pra fazer no curto prazo. Em vez de investir, postergam. Em vez de inovar, aguardam. Não é medo, é reflexo.
Ter clareza de conseguir separar o que é peso do sistema e o que é cultura organizacional é o primeiro passo. Pensar longo prazo não é prever o futuro com precisão, mas criar estruturas mentais e organizacionais que resistam ao tempo.
Barreiras invisíveis, impactos reais
Pensar no longo prazo é tomar decisões que o seu eu do futuro agradece, mesmo que o conselho hoje ache arriscado. Mesmo quando há intenção, visão e até espaço para planejar o futuro, esbarramos em obstáculos mais profundos, barreiras culturais e cognitivas que atuam quase como antivírus contra o pensamento de longo prazo.
Outro freio importante é a aversão à incerteza. Não apenas como uma limitação cognitiva, mas como uma norma silenciosa nos espaços de decisão. Perdemos a habilidade de discutirmos no escuro. Trazer à mesa uma ideia ainda crua, sem gráficos que a validem ou dados que a sustentem, é visto como perda de tempo.
As empresas não têm espaço para pensar o futuro ele foi encolhido até desaparecer da pauta. Líderes têm medo de parecer pouco pragmático. “Como assim você vai entrar numa conversa sem ter a ideia pronta, formada?”
O medo desse julgamento empurra os líderes para um discurso cada vez mais técnico, seguro, previsível. Mas o futuro não nasce de certezas. Ele começa justamente nas conversas no escuro, aquelas em que ainda não temos todos os dados, mas temos perguntas boas o suficiente para continuar tentando enxergar.
Pensar no longo prazo exige conviver com cenários indefinidos, testar hipóteses, tolerar o desconforto de não ter garantias. E convenhamos: nem todo líder foi treinado, e muito menos é recompensado com bônus por pensar no futuro da companhia.
A preferência por metas claras e entregáveis imediatos acaba vencendo qualquer tentativa de explorar o futuro.
Some a isso, a pressão dos stakeholders de curto prazo, acionistas, conselhos, investidores que querem resultado, não projeção. Uma atitude que força o olhar da liderança a se estreitar. E quando todo o ecossistema gira em torno de números do trimestre, qualquer discurso sobre legado soa como distração.
Quem tem a solução ou a resposta?
Este texto não termina com uma lista de soluções e nem com um framework para cultivar pensamento de longo prazo na sua organização.
A escolha de não apontar um caminho aqui é intencional.
Porque não se trata de ensinar como pensar no longo prazo, mas de provocar por que, e principalmente, por que não estamos fazendo isso. A reflexão que importa não cabe em um playbook. Ela exige silêncio e desconforto.
Talvez este seja um bom lugar para parar. Ou melhor, para começar.
let’s keep mooving,
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