Essa é a newsletter mensal aberta para todos os assinantes da Comunidade Moovers. Escrita pela futurista e Diretora Executiva da Moovers Monica Magalhaes, que compartilha insigths, reflexões e análise de tendências em tecnologias emergentes.
Hello moovers! Monica Magalhaes por aqui 👋🏼
Antigamente, mineiros levavam para o trabalho canários em gaiolas para dentro das minas de carvão. Por quê? O canário é muito mais sensível a gases tóxicos (como monóxido de carbono e metano) do que os humanos. Se o canário começasse a se agitar ou morresse, era um sinal precoce de perigo para os mineiros.
Ou seja, o canário não era o problema. Ele era o alarme biológico, o sintoma visível de uma ameaça invisível.
Nossos jovens hoje são como os canários na mina. Eles são os primeiros a sentir os efeitos da automação por IA no mercado de trabalho. Se eles estão “morrendo” (ou seja, não estão conseguindo entrar no mercado), isso pode ser um alerta de que algo muito maior está prestes a acontecer para todos os outros.
Boa leitura!
O colapso silencioso dos cargos de entrada
Diversos cargos “júnior” estão morrendo e ninguém está falando sobre isso. O clássico “júnior” que funciona como porta de entrada para uma carreira, parece estar com os dias contados.
Em agosto de 2025, Erik Brynjolfsson (Stanford Digital Economy Lab), Bharat Chandar e Ruyu Chen publicaram um estudo com potencial para revirar discussões sobre trabalho, IA e juventude empregável:
“Canaries in the Coal Mine? Six Facts about the Recent Employment Effects of Artificial Intelligence”.
Utilizando dados inéditos da ADP, a maior processadora de folhas de pagamento dos EUA, os autores deram luz a uma evidência forte de mudança no futuro do trabalho, jovens de 22 a 25 anos viram uma queda média de 13% no emprego em ocupações altamente expostas à IA, justamente aquelas onde tarefas técnicas e repetitivas estão sendo automatizadas por ferramentas generativas.
Quais seriam as profissões mais expostas e como o estudo mede “exposição à IA”?
O paper usa índices compostos, com base em estudos anteriores, especialmente o “AI Occupational Exposure” da OpenAI + Open Research + UPenn (2023). Esse índice cruza:
As capacidades dos modelos de IA (como GPT-4)
A descrição de tarefas de mais de 800 profissões (via O*NET, base do governo dos EUA)
O quanto dessas tarefas podem ser feitas, assistidas ou substituídas por IA generativa
Resultado? Uma lista de ocupações ordenadas do tipo:
Alta exposição: a IA pode fazer muito do que é exigido.
Baixa exposição: a IA ainda não dá conta, ou as tarefas exigem muito julgamento humano, empatia, presença física, etc.
Exemplos de profissões com alta exposição à IA:
Área Profissional
Tarefas sensíveis à IA
Analistas financeiros
Assistentes administrativos
Advogados juniores
Redatores e criadores de conteúdo
Programadores iniciantes
Recrutadores / RH júnior
Designers gráficos básicos
Pesquisadores de mercado
Esse dado não está isolado. Ele compõe um dos seis achados principais do estudo, todos apontando para um mesmo cenário: a IA não está apenas transformando o trabalho, ela está reconfigurando os modelos de entrada no mundo profissional.
Gatilhos da mutação silenciosa:
A substituição de tarefas simples (as clássicas "tarefas de aprendizado") por IA
O colapso concentrado na base: não se trata de demissão, mas de não contratação
O descompasso geracional: seniors prosperam; juniors evaporam das planilhas
O que antes era considerado “experiência acumulável” virou output instantâneo de uma IA bem treinada. O que antes era “trabalho de base” virou uma API conectada ao Notion ou ao Slack.
Este artigo parte dessa pesquisa inédita e de suas implicações para propor uma pergunta urgente:
Como redesenhamos o início da vida profissional em um mundo onde o começo já foi automatizado?
O “novo júnior” já não é humano é uma IA
O que define um cargo de entrada? Tradicionalmente, ele é ocupado por alguém que está aprendendo. O júnior é aquele que executa tarefas simples, repete processos, documenta rotinas, responde a e-mails, atualiza planilhas, revisa contratos, pesquisa informações. Um ritual corporativo necessário: fazer para aprender. Aprender para subir.
Mas a inteligência artificial não aprende. Ela já sabe.
Ferramentas generativas como GPT-4, Claude 3, Copilot e similares são hoje capazes de executar, com fluência e velocidade, exatamente aquelas tarefas que antes justificavam a existência dos cargos de entrada. O que antes era feito por alguém em processo de formação, com erros, dúvidas, pausas para perguntar, agora é feito por um sistema que entrega em segundos o que o humano levaria horas para entender, errar e tentar de novo.
Estamos, então, diante de uma figura curiosa: o júnior ideal, para muitas empresas, é um modelo de linguagem. Não pede feedback. Não reclama da meta. Não precisa de onboarding. E se errar, basta apertar “regenerate response”. A empresa não precisa mais de aprendizes,só de operadores.
A principal consequência disso é estrutural: a empresa perde o incentivo (e o modelo) de contratar alguém em formação. Por que investir tempo e recursos em um ser humano incompleto quando você pode usar uma IA já “pré-treinada” por milhões de interações?
Pela primeira vez, a barreira de entrada não é o salário. Não é a vaga. É a utilidade objetiva frente a uma máquina. E o mais perturbador: essa substituição não gera trauma organizacional.
Ninguém “demite” o júnior. Ele simplesmente não é contratado.
Não há corte, não há protesto, não há headline no jornal. É uma exclusão silenciosa, gradual e aceita com eficiência de planilha.
IA como solução para a dor de cabeça chamada “formação”
Vamos ser francos: formar alguém do zero nunca foi tarefa simples. É custoso, leva tempo, exige paciência e abertura para o erro. Mas em 2025, com pressões por produtividade, metas de eficiência e ferramentas que fazem bem o “trabalho chato”, é mais fácil plugar um copiloto do que treinar um estagiário.
O resultado é um novo organograma implícito, onde a base desaparece e o meio tenta se manter relevante mediando entre IAs e decisões humanas.
O paradoxo da senioridade: como virar sênior sem ser júnior?
Toda carreira tradicionalmente segue uma lógica simples: você começa por baixo, aprende fazendo, cresce com o tempo. Mas agora temos um problema os cargos de entrada estão desaparecendo. Se ninguém contrata pessoas no início da carreira, como elas vão ganhar experiência para ocupar cargos mais altos no futuro?
O estudo de Stanford mostra que os jovens estão ficando de fora das novas contratações, especialmente em áreas onde a IA já dá conta do recado. E isso cria um bloqueio perigoso: uma geração inteira pode simplesmente não conseguir entrar no mercado formal.
Quem consegue furar esse bloqueio?
Gente com bons contatos (capital social)
Pessoas que já sabem usar bem IA desde o começo
Jovens que vêm de escolas ou ambientes que oferecem esse diferencial
A reinvenção do cargo de entrada: sinais de futuro
Mesmo com esse cenário desafiador, alguns caminhos começam a surgir para reimaginar o que significa ser “júnior” em um mundo com IA. Esses sinais ainda são frágeis, mas apontam para possíveis soluções:
1. Júnior como curador de IA
Em vez de fazer as tarefas do zero, o novo júnior recebe o trabalho feito pela IA e ajusta, corrige, humaniza. Ele não é mais o executor bruto é um filtro inteligente. O valor está no olhar crítico, não no volume de entrega.
2. Aprendiz híbrido (executor + estudante)
Algumas empresas já começam a estruturar cargos onde o jovem entra sabendo que metade do tempo será para aprender, com mentoria, projetos práticos e uso intensivo de IA. Não é estágio: é formação profissional embarcada.
3. Cargos com cara de júnior, mas com exigência de fluência em IA
São posições que ainda têm “junior” no nome, mas esperam que o candidato saiba usar ferramentas como ChatGPT, Notion AI, Midjourney ou Copilot. A exigência básica mudou: não basta saber pouco, tem que saber usar muito bem a IA.
Sinais que por hora são fracos que valem monitorar:
Alguns Job titles que surgindo, tipo:
AI Ops Assistant
Prompt Engineer Intern
Junior AI Validator
Content Curator with LLM experience
Vagas sem experiência, mas com "familiaridade com IA generativa" como exigência mínima
Empresas investindo em suas próprias "escolas internas", tipo o que a Amazon fez com o Career Choice, mas agora voltado para domínio de IA.
let’s keep mooving,
Community Learning
Nossa Comunidade de aprendizagem em future skills oferece a curadoria, o pertencimento e o afeto que é uma resposta à crise da educação tradicional. A educação aqui é eficiente e acontece de forma horizontal, afetiva e relacional. Venha fazer parte!
Muito legal o texto. Acho que acrescentaria também que os jovens estão empreendendo mais, talvez tenham que começar em cargos altos de suas próprias empresas.
Excelente reflexão Monica.